Inspiração



A rua, a lua
A luz da chama
Fogo que dança
Na ponta do pavio
A luz que reflete
A lua... na rua

                (Paulo Motta)


Tenho falta dessas coisas...
lua, chama, dança /e rio/...
E por tanta, ainda nua
das grandes coisas que brilham
corro, salto, tento a lua
que me olha rindo mansa
(nem respeita minha vontade)
e me escapa /por um fio/...

                (Helena Chiarello)


Interação poética proposta pelo querido amigo Paulo Motta.
Paulo é artista de mil ideias! É músico também, e escreve também!
Lindeza assim!
E a foto também é dele.

Exaustão


E tudo seria sempre
não fossem esses entendimentos
de razões tão às avessas
como se a vida fosse sempre
um tanto faz.

Tudo seria sempre
não fosse a sanidade escassa
que crava nas possibilidades
esse gosto assombrado de futuro.

Tão certo esse não-tempo-agonia
que espreita por nossas humanas falhas!

Daqui a pouco, o espanto.

Amanhã, silêncios, talvez,
ou um gemido que nem consiga ser prece
  meio medo, mea culpa
e constatar seja demasiadamente sal.

E amanhã, talvez,
nem haja mais tempo para tal
e a remissão
esteja lá onde nossa imperfeição não alcança.
...

Ah, mar, mar!...
Em que lugar de teu abandono
haveremos de resgatar a esperança?



Helena Chiarello

Outra vez e sempre, como se ainda...


Estou naquele dia
que você me deu
escancarando um sorriso novo
pra sorver todas as gotas
daquela chuva de regar doçuras
e me calando outra vez ao repetir
entre lembranças líquidas
as palavras que brotavam do teu olhar

...e ando agora
como andava naquele dia
levando entre os dedos apertados
o calor da tua mão na minha
[a chuva é outra
e a certeza é pálida
e mistura-se à nossa vontade
com gotas de chorar vendavais]

              ...mas aqui dentro
              alguma coisa é tão grande
              que ainda cabe no impossível
              e arranca de algum lugar
              todas aquelas ternuras
              amores e pretextos
              que alimentavam nossa eternidade

...e tudo o que eu quero
é andar como andava
naquele dia que você me deu
com certezas de para sempre
[mesmo disfarçando abismos]
e com olhos de colher esperanças
[como se ainda houvessem...]


Helena Chiarello

Inspiração



                           (Leminski...ando)


De tarde,
de amor,
de flores
ou de meninos.
De coisas grandes
ou roteiros pequeninos.
Mas se rimar com emoção
e se me for verso ou canção
o que vier,
eu assino.


Helena Chiarello

De motivos e essas coisas...



E toda a vez que
o dia se põe assim
é como se de algum lugar
escapasse
um indício de eternidade.
Algo de cor,
de fragrância
e música
me sussurra
mistérios e serenidades.
Uma sensação de infinitude
transpassa todo o silêncio.

E o tempo
               [desconcertado]
me olha lá de longe,
sem conseguir entender
a leveza deslumbrada
do meu sorriso.


Helena Chiarello

SubVerso



Eu tenho
urgência da palavra.
Uma vontade incontrolada
de tornar respiráveis
todas as coisas
que se debatem
no lugar mais fundo
da vontade
e que nem sempre
conseguem chegar
à [minha] superfície.
Eu tenho uma vontade
que agita os braços
e se debate estrondosamente
tentando saber o verbo,
a tona,
o ar,
e que atravessa o oceano inteiro
com um poema à beira do grito!

...Mas nas vagas da inquietude
afogam-se a vontade,
o gesto,
a urgência,
a voz...

E apenas respiro
[ruidosamente]

                                o silêncio.



Helena Chiarello

Esfinge




alguns sinais do tempo
tão descuidadamente finito
cravam-se sobre as pálpebras
da memória

a face
desfaz-se

o vento canta um longe
de abandono e solidão

areia por entre os dedos
a vontade de reter
a sentença irrevogável das horas

[mas como se fosse próprio
o tempo sibila nãos]...

e a sombra de mil anos
empoeira-se em nossas mãos...


Helena Chiarello

Inventário



Quando tudo anoiteceu
faltava calar o pranto

O agudo grito
do nada,
do tudo
que então havia

Não bastasse tudo e tanto
um silêncio escancarado
veio arranhando meus medos
nem sequer se dando conta
que meu mais secreto espanto
é o abismo desse nada
que bem de perto me espia...


Helena Chiarello



Ela veio nas asas de um pássaro.

Afago de algodão e nuvem,
pairou por um instante
sobre um pensamento
como quem flutua
sobre o vento.

Dançou esperanças no ar
numa leveza de essência,
ornou-se de alvura e luz  
e enterneceu as horas.

Então pousou,
suave e silenciosamente,
sobre um fôlego do tempo.

Paz.


Helena Chiarello

[E]vento



Com a falta de ar costumária
saio pela madrugada
inventando fôlegos.

No equívoco do sono,
uma apneia sólida
agarra-se ao peito,
ao pânico e às paredes.

Meus gestos em alvoroço
contrastam com o emboço
dos espaços abafados
[aqui dentro].

Só a vontade atravessa a porta.

Do lado de fora,
tudo é vento.


Helena Chiarello

Re/corte



E me atormenta
tudo o que corta
tudo o que fere
tudo o que sangra.
Talvez seja isso
: o espanto :
o medo da dor,
o reflexo de um [pre]sentimento
de olhos arregalados
que espreita
emboscado
nos cantos mais escuros
de uma memória
cheia de navalhas...


Helena Chiarello

Dívida



Acho que foi com o tempo
que fomos esquecendo o valor, o cuidado, a lei
e o compromisso.

Estamos devendo.
Água, planta, vento e bicho.

Esquecemos os tratos
como quem acredita o infinito de tudo.
E na paisagem de agora
esse estranhamento de silêncios furiosos,
prontos a rugir dos descalabros submersos
das nossas vontades e luxo.

A vida vaza num póstumo possível
e vagamos à deriva do acaso e do descaso,
cegos das esperanças que escapam
e dos excessos que custam.

                        (Se essa for a única regra
                        que haja uma mentira convincente
                        porque todas as respostas só me parecem culpas)

É assim que oferto um silêncio e uma reza
por puro medo da sorte
da morte
– o vazio –
e outras coisas tristes de serem ditas.

                        (Que não seja dor buscar lugar e alento
                        para o tempo de não ser mais cedo
                        e o assombro do não-jeito de tudo
                        durar as mesmas horas que nos respira o abismo)

Depois,
coisa nenhuma servirá de consolo
ao que sobrar do nosso incauto juízo, (a)final.
...
E que a natureza nos perdoe
por esse mar de procedimentos equivocados.


Helena Chiarello

Salve-me quem puder



De sustos em surtos
vou me despencando por aí.
Piso em falso, tropeço,
e quase sempre
caio precipitadamente
em cada absurdo que me ronda.
Não há um mínimo de equilíbrio
no exagero dos meus
abismos fatais.
Quando algumas certezas
despencam em queda livre,
tudo o que consigo ver
é aquela sempre irremediável
falência múltipla de seguranças.

Mas como sempre há uma luz
no fim[!] do túnel,
lá do fundo do abatimento,
olho pra cima
e quero o teto.
E entre prostrações e desvarios
emerjo do despreparo do chão,
me pego pela mão...
e eu mesma me escolto!

Pois é assim que eu sou.

Primeiro eu sofro,
segundo eu morro.

Depois eu volto.


Helena Chiarello

Fértil


E quando vem a estiagem
do riso daquela estação
que florava em nossas bocas,
arranco certezas
de lugares indizíveis,
invento sóis favoráveis
e chuvas próprias
de abrandar temores
e tempo
e vento
e desse jeito consigo,
no solo árido do futuro,
                      mais uma vez,
brotar esperanças.



Helena Chiarello

Solo



Ando meio escarpada ultimamente.
Minha memória anda cheia de coisas intransitáveis
e minhas obliquidades pendem perigosamente
à beira do extremo.

[Credito essas erosões aos delírios e intempéries
impostos a uma promessa que era frágil demais
para resistir à ação destrutiva do vento]

Faz tempo que as vontades não começam sem abismos.

Lá embaixo, no chão acidentado das possibilidades,
as certezas riem.


Helena Chiarello

Chuvas [e ambiguidades...



Chuvas
                             [...e ambiguidades...


Hoje o dia
chove
melancolias
e o tempo
se derrama
em melodias
de uma só corda

Acordes embalam
aconchegos             
e desassossegos

Algo aqui dentro
me alaga-inflama
e clama por dias de sol

Mas as gotas
lágrimas-seiva
podem ser dádiva
porque (em algum lugar)
hão de haver jardins
                        [e esperanças por regar...


Helena Chiarello

Desconforme



Eu não entendo a onda
quando as arrebentações corrompidas
engolem a boa vontade.

Eu sonhava o verbo exato
pra acordar o sal antigo
desses mares agoniados por desatitudes,
e queria mesmo saber milagres
de ar, de águas – vivas e vidas – tantas (!)
só dizendo amor, cuidado
                   e outras palavras santas.

Mas compactuo silêncios
e escoo meus bons intentos
nos escombros consentidos
que sufocam azuis.

Eu não entendo a onda
que afoga o entendimento
do que era pra ser sagrado.

                   (Uma culpa sobe à tona,
                   mas não inocenta o pecado)

E seguimos ”humanidade”,
consumando tudo em volta
“à nossa imagem e semelhança”.

...

[Mas em algum lugar deve haver um nome pra dizer - Respeito.
E um gesto qualquer pra dizer - Esperança.]




Helena Chiarello