Nunca vi essa luz em teus olhos

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

Andei por aí inventando sonhos.
No meio dessa minha inaceitável teimosia de acreditar
em possibilidades, inventei muitos. 
Ontem, hoje, ainda há pouco.
Não sei amanhã. Não sei.
Não sei se quero ainda ouvir a voz das minhas intermináveis expectativas,
nem a voz das emoções e pensamentos e sensações e memórias
e tudo isso que se contorce no mais de dentro de uma pessoa.
Essas coisas conseguem ser repletas de pontas, sim!
De arestas, de quinas vivas,
de lâminas que parecem sempre afiadas
e matam de medo do depois.
Falta alguma coisa macia, alguma coisa comum,
alguma coisa tão doce
que possa caber na insustentável leveza do sempre.
Sobra o cansaço do peso da exigência sofisticada, supérflua
e a dor da eterna inadequação.
No meu demente exercício para desviar da agudeza do real,
constato. Estou bem mais para a última.
Talvez isso, isso,
essa vontade de interromper-me aqui,
antes de alcançar qualquer coisa próxima da certeza irrevogável,
da mutilação irreversível. Antes de.
Algo assombra, algo ronda, algo murmura e se esgueira,
porque, sim, nada é impressentível.
Acontece que andei por aí, inventando sonhos.
Mas essas coisas que deviam ser leves, etéreas,
parece que gostam mesmo é de voar nas asas do nunca.
E quando passam por mim, inalcançáveis,
fazem estranho ruído nesse lugar confuso que sou.
“Não queria assim, esses turvos.
Não queria assim, esses vagos.”
Não queria assim,
esses espaços imensos onde fica o inatingível desejo
de sentir arder na pele da alma a possibilidade,
que fosse isso, a vaga possibilidade de sonhar
as coisas que me seriam dadas sem que as implorasse,
mas simplesmente as motivasse e merecesse.
Queria assim, o gosto de poder segurar com mãos,
pelo menos por instantes,
o que nunca sequer me toca.
Há vida no grito escuro da indiferença?
Assombram-me essas certezas, tão vivas e tão súbitas,
que nada me deixam fazer senão aceitá-las.
É nesse turbilhão que vacilo, desequilibro,
e desesperadamente escorro,
tentando um algo à beira do abismo que me sustente,
até um grito que me espante, mas me detenha,
uma claridade, uma luz, uma coisa qualquer
que me arranque do fundo desse fundo de tudo,
que me devolva a vontade de engolir de vez ou vomitar
a impossibilidade desse não-sei-quê que me torce a alma!
[Quem sabe aquela fúria enlouquecida que li tantas vezes
em poemas de amor, que colocava um brilho insano
no olhar do amor sobre a amada?]
Mas silêncio - e nada - e nada.

                                                    Vazios se erguem à toda volta.
                                             Talvez seja exatamente a espessura
                                                     do improvável e do impossível
                                               que me pesem sobre as pálpebras
                                                               e me cerrem os sonhos.

[Nunca vi essa luz em teus olhos.]


Helena Chiarello


2 comentários:

chica disse...

Helena, impressionante de tão profundo...Reflexivos! lindo! bjs, chica e tuuuuuuuudo de bom!

Anderson Fabiano disse...

Stella mia,
Sempre soube que você consegue crescer quando escreve sobre a dor. E eu sei que você sabe, que suas dores doem muito mais em mim.
Doem na minha impotência de garantir um sorriso em seu rosto.
Mas, o verbo me falta quando diante de suas dores, minhas letras escorrem pelas pernas e se perdem nos bueiros da vida. Sobra apenas, um vácuo compulsório, incontrolável.
Nunca vou saber exatamente onde começam os sonhos ou terminam os devaneios, amor. Só sei das dores...
Mas, sei um pouco de Vinicius e é nele que me refugio:
"Assim como uma nuvem só acontece se chover,
Assim como o poeta só é grande se sofrer,
Assim como viver sem ter amor não é viver,
Não há você sem mim, eu não existo sem você."
Amo você, Poetinha!
Barba.